A beleza está nos olhos de quem vê?

flores, polinização, abelhas, luz, adaptação

Giovana Vendruscolo

Hoje é nosso dia de sorte! Tem um lindo arco-íris no céu! Segundo a lenda, pequenos duendes escondem potes de ouro no final do arco-íris. O difícil vai ser chegar no fim do arco-íris, pois parece que ele sempre se move junto com gente. E também, nunca vamos encontrar o pote de ouro porque o arco-íris não tem fim, ele é uma circunferência e não um arco como vemos no horizonte. Então, podemos esquecer o ouro, deve ser só uma lenda mesmo. Mas mesmo assim, podemos admirar o arco-íris, cada um de forma diferente.

A forma de ver o arco-íris depende da posição de cada um. Isto mesmo, duas pessoas não verão o mesmo arco-íris, porque quando a luz branca do sol chega até pequenas gotas de água ela é dispersa nas cores do arco-íris e chega até nossos olhos. Assim, você vai ver um arco-íris diferente da pessoa que está ao seu lado, porque dependendo da posição, cada um recebe a luz refletida de algumas gotas. Além disto, as cores do arco-íris são uma ilusão, mas uma ilusão de óptica, ou seja, ilusão dos fenômenos relacionados com a luz. Depois disto, até não parece tão estranho acreditar na lenda dos duendes e potes de ouro, né?

Pessoa observando o arco-íris...

... mas as cores são ilusão de óptica.

As cores são resultado de pigmentos que absorvem e refletem a luz. O que nossos olhos conseguem ver é uma pequena fração da radiação eletromagnética, chamada de luz visível, nas faixas do violeta ao vermelho (as cores do arco-íris). Quando você vai fazer um raio-x no hospital ou olha para o micro-ondas funcionando, não consegue ver nada, né? E você não vê as ondas de rádio passeando por aí com as músicas, né? Pois bem, raio-x, micro-ondas e as ondas de rádio também são radiações eletromagnéticas, mas são invisíveis aos nossos olhos.

O que nossos olhos conseguem ver é apenas uma pequena fração da radiação eletromagnética.
Fonte: NASA, domínio público, via Wikimedia Commons

A característica de ver cores está associada aos pigmentos e às estruturas dos nossos olhos e surgiu já faz muito tempo nos nossos ancestrais vertebrados. A partir do surgimento da visão colorida, diversas mudanças ocorreram nos diferentes grupos de vertebrados e as mudanças que geraram maior sobrevivência foram selecionadas em cada grupo. Mamíferos enxergam relativamente poucas cores, pois descendem de ancestrais noturnos, e muitos ainda são. Por exemplo, muitos mamíferos são daltônicos, ou seja, não conseguem distinguir o vermelho do verde. Nós, e alguns primatas nossos parentes, conseguimos distinguir mais cores (verde, azul e vermelho). Já, outros vertebrados, como aves, répteis e peixes, conseguem distinguir ainda mais cores que a gente.

Com o Teste Ishihara você pode descobrir se tem daltonismo. Você consegue ver um número na figura? Se você não conseguir ver, provavelmente tem daltonismo.

Fonte da imagem: Sakurambo, CC BY-SA 3.0 <http://creativecommons.org/licenses/by-sa/3.0/>, via Wikimedia Commons

E as flores? Que elas são lindas ninguém discute! A maioria das flores cultivadas como ornamentais nos nossos jardins e quintais passaram pelo processo de seleção artificial, em que nós selecionamos as características da flor que achamos mais bonitas, como o aumento do número de pétalas, tamanho maior e cores atrativas aos nossos olhos. Já as flores de espécies nativas possuem geralmente 3 a 6 pétalas, são menores e as cores são menos vibrantes. Isto ocorre porque elas evoluíram sendo selecionadas por seus polinizadores naturais, e não por nós, então são mais atrativas para os olhos deles e não para os nossos.

Roseira cultivada (Rosa) nos nossos jardins.

Amora-preta ou amora-do-mato (Rubus brasiliensis) é nativa do Brasil e parente da roseira.

A história da domesticação da roseira (Rosa), por exemplo, começou séculos atrás. As espécies ancestrais da roseira são nativas do Hemisfério Norte. As mudanças genéticas que ocorreram ao acaso ou as plantas híbridas que tinham características desejadas foram escolhidas pelas pessoas.

Na evolução das angiospermas (plantas com flores e frutos), a cor das flores representa uma adaptação em relação aos polinizadores. As flores que atraírem mais polinizadores possuem maior chance de formar sementes e serão selecionadas. Dentre os principais polinizadores estão as abelhas. A abelhas não enxergam as flores da mesma forma que nós, pois elas têm pigmentos para as cores azul, verde e ultravioleta (UV). Geralmente, as abelhas veem sinalizações brilhantes nas flores, que funcionam como guias para encontrar néctar ou pólen.

As abelhas enxergam as flores de uma forma diferente da gente.
A imagem não foi alterada. Licença: CC BY 4.0
http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/

Nós não enxergamos a luz UV e, na verdade, até temos medo dela. Geralmente usamos protetores solares para filtrar a luz e evitar que a radiação UV do sol penetre na nossa pele, pois já sabemos que ela causa danos celulares. Para as plantas, a luz UV também causa danos, por isso elas possuem substâncias que a protegem, como carotenoides e antocianinas. Elas também possuem substâncias que absorvem a luz UV, como os flavonoides. Isto significa que estes pigmentos que absorvem ou refletem a luz UV fazem com que as abelhas enxerguem as flores de uma forma diferente da gente.

Nós usamos protetor solar para nos protegermos...

... e as plantas produzem substâncias para proteção.

As plantas e os polinizadores precisam uns dos outros, por isto a relação é considerada como mutualismo. Existe uma comunicação visual entre os polinizadores e as plantas e o sucesso reprodutivo pode gerar coevolução, ou seja, a espécie de planta e seu polinizador evoluem de forma conjunta, favorecendo a interação entre eles. Por exemplo, uma planta polinizada por abelhas pode se adaptar à forma como a abelha enxerga a flor e a abelha pode se adaptar aos sinais que a flor emite.

Atenção crianças e adultos! Se os polinizadores desaparecerem, as plantas polinizadas por eles podem desaparecer também. Isto significa que se as abelhas desaparecerem, por exemplo, muitas plantas agrícolas que elas polinizam não darão mais frutos.

Para saber mais sobre polinização e abelhas nativas leia o 2º volume do FanBio: Ana Flora em: entre abelhas e flores.

Sobre a autora:

Giovana Secretti Vendruscolo é professora da UNILA e coordenadora do FanBio.

Publicado em 18 de fevereiro de 2022.

Para saber mais:
Carvalho, L. S., Pessoa, D. M. A., Mountford, J. K., Davies, W. I. L., Hunt, D.M. (2017). The genetic and evolutionary drives behind primate color vision. Frontiers in Ecology and Evolution. Frontiers 5(34). DOI:10.3389/fevo.2017.00034
Lunau, K., Ren, ZX., Fan, XQ. et al. (2020). Nectar mimicry: a new phenomenon. SciRep. 10: 7039. DOI: 10.1038/s41598-020-63997-3
Narbona, E., Arista, M., Whittall, J. B., Camargo, M., & Shrestha, M. (2021). Editorial: The Role of Flower Color in Angiosperm Evolution. Frontiers in plant science, 12, 736998. DOI:10.3389/fpls.2021.736998z350.periodicos.capes.gov.br/10.1002/ece3.8093
http://cienciaviva.org.br/index.php/2020/03/02/arco-iris-duendes-e-potes-de-ouro-irlanda/
https://www.hipercultura.com/arco-iris-mitos-e-fatos/https://parquecientec.usp.br/passeio-virtual/tudo-sao-ondas/o-espectro-eletromagnetico
https://evolucionismo.org/rodrigovras/evolucao-da-visao-tricromatica-em-primatas/
https://followthecolours.com.br/art-attack/fotografia-ultravioleta-flores/
Fonte não citadas nas imagens: https://pixabay.com/