Ainda Estamos Aqui

A repressão contra a ciência durante a ditadura militar

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Ainda Estamos Aqui

A repressão contra a ciência durante a ditadura militar

Inspirado no filme Ainda Estou Aqui

O filme Ainda Estou Aqui mostra o desaparecimento forçado pela ditadura do ex-político Rubens Paiva, assim como os impactos na sua família, liderada pela matriarca Eunice Paiva. Medidas autoritárias como estas também foram a regra na comunidade científica brasileira no período, afetando famílias de cientistas, prejudicando pesquisas e causando impactos sociais.

“Se é verdade que não há fronteiras para a ciência, também é exato que há fronteiras para os cientistas.” Esta declaração foi dada logo após o golpe, pelo Ministro da Saúde Raymundo de Moura Britto. A partir daí professores e pesquisadores foram coagidos a aderir ao regime ou sofreram perseguições, demissões, aposentadorias forçadas, publicações censuradas e cortes de bolsas e recursos. Estudantes eram proibidos de ingressarem em cursos ou estágios e grupos de pesquisa inteiros foram desmantelados.

Um dos casos mais emblemáticos foi o do físico José Leite Lopes. Crítico do programa nuclear com fins militares, soube que seria assassinado e se refugiou na França, o que impediu a instalação de um acelerador de partículas na UFRJ. Outro físico, Mário Schemberg, foi preso após invasão policial na USP, aposentado e proibido de entrar no campus, impedindo a instalação de um laboratório de semicondutores, tecnologia que mais tarde permitiria a revolução digital.

Em outro episódio, que ficou conhecido como “Massacre de Manguinhos”, 10 pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz foram cassados por “ideias subversivas”, ainda que nada jamais tenha sido ajuizado contra eles. Vários laboratórios foram fechados e todas suas pesquisas foram interrompidas, incluindo sobre o desenvolvimento de fármacos, controle veterinário, microbiologia e a doença de Chagas.

Um campo da ciência especialmente afetado foi a Parasitologia, tachada pelo regime de “comunista”. Ao combater doenças parasitárias, os pesquisadores desta área e da Saúde Pública defendiam uma medicina socializante e denunciavam as condições de pobreza e precárias condições sanitárias da população. Thomas Maack, Bernardo Boris Vargaftig e Luiz Hildebrando Pereira foram confinados em um navio-prisão sem saber do que eram acusados. A filha de Thomas foi expulsa da creche. Boris foi preso durante uma aula. Todos tiveram que seguir carreira no exílio. Samuel Barnsley Pessoa, que havia denunciado os EUA pelo uso de armas químicas, foi levado encapuzado pelo exército aos 77 anos.

O sufocamento da ciência e da saúde pública teve como um dos mais nefastos impactos sociais a epidemia de meningite na década de 1970. Com os institutos de pesquisa acossados, o sistema de saúde pública despreparado, a censura e a negação de que havia uma epidemia, a doença se disseminou como nunca na história do Brasil. A censura só acabou quando foi impossível esconder. A letalidade da doença, que era de 7%, subiu para 14% e a epidemia não se confinou apenas às periferias, atingindo também as áreas nobres das cidades. 

"(...) manter proibida a divulgação de dados numéricos, gráficos e estatísticos sobre meningite, bem como notícias sobre quantidades de vacinas estrangeiras. Fica igualmente proibida a divulgação de matéria sensacionalista ou explorações tendenciosas, através da imprensa, de assunto relativo à meningite."

Departamento de Polícia Federal

Coronel Moacyr Coelho

Após expurgar pesquisadores críticos, o regime militar também cooptou instituições de pesquisa para servir a seus interesses políticos. Uma investigação no Chile descobriu que a ditadura de Augusto Pinochet utilizou toxina botulínica para envenenar opositores. A toxina, produzida pela bactéria Clostridium botulinum, havia chegado à Presidência do Chile por correspondência diplomática do Brasil, e sintetizada no Instituto Butantan.

O regime militar brasileiro levou a uma fuga de cérebros, forçando pesquisadores a abandonar a carreira ou trabalhar no exterior, muitos deles conquistando posições de destaque fora do Brasil. O isolamento internacional do Brasil também dificultou parcerias internacionais de pesquisa. A censura fez a comunidade científica se retrair e divulgar pouco o resultado de suas pesquisas. A política das instituições de ensino superior e de pesquisa foi alterada de modo que atendesse aos interesses de empresários, em detrimento do interesse público. Isso levou a atrasos no desenvolvimento científico e tecnológico, com impactos até os dias atuais. A democracia permite a livre produção e circulação do conhecimento científico. Sem isso, a ciência é mais uma das vítimas.

Fontes: Agência Pública e Ciência Hoje (links no texto).