Evolucionismo e Criacionismo: existe um verdadeiro debate?

Com base no ensaio “O que está em jogo no confronto entre criacionismo e evolução” de Diogo Meyer e Charbel N. El-Hani

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Evolucionismo e Criacionismo: existe um verdadeiro debate?

Com base no ensaio “O que está em jogo no confronto entre criacionismo e evolução” de Diogo Meyer e Charbel N. El-Hani.

O que é o criacionismo? 

O criacionismo é a perspectiva de que as características dos seres vivos não podem ser explicadas através dos processos naturais estudados pela biologia evolutiva. Não existe apenas uma vertente do criacionismo, havendo diferentes graus de comprometimento com essa afirmação, desde a completa negação de qualquer mudança dos organismos até a aceitação de que houve algumas mudanças com o passar do tempo, mas que os organismos não possuem todos uma ancestralidade comum. Não existe um “movimento criacionista” organizado e unificado, justamente porque há muita variação em suas crenças. O que une todas essas vertentes é a rejeição de conhecimentos básicos da biologia evolutiva.

Existe realmente um debate?

Podemos dizer que não. Um debate implica que haja um conhecimento básico sobre o assunto em ambos os lados da discussão, e que ambas as partes devem estar dispostas a mudar de ideia caso os argumentos da outra os convençam. Não é isso que ocorre quando há um confronto entre criacionismo e evolução, pois nessa discussão não há sequer conhecimento básico mútuo para um terreno em comum onde possam ser apresentados pontos de acordo e discordâncias claras. Criacionismo e evolução não são dois lados de um debate, mas sim dois discursos distintos e desconectados, nos quais a única coisa que os liga é a negação sistemática do que o outro lado propõe.

Esse suposto debate tem utilidade?

Há um lado negativo neste suposto debate. Ao convidar um criacionista para “debater”, isso lhe dá espaço e uma certa autoridade para opinar em um tema que, tipicamente, pouco domina, lhe dando uma falsa credibilidade. Isso sugere que pode ser sensato não se engajar nesses falsos debates. Mas também há um lado positivo e de imenso potencial pedagógico nessas conversas: expor e entender o modo de pensar criacionista, dando a oportunidade para estudantes e professores desenvolverem pensamento crítico, contra-argumentos e sanar dúvidas, uma vez que podem vir a enfrentar esse mesmo tipo de argumento e questionamento em sua vida profissional.

O ataque ao conhecimento científico

É necessário entender que aceitar os argumentos criacionistas não é apenas descredibilizar a biologia evolutiva, e sim atacar a ciência como um todo. A biologia evolutiva não é resultante de apenas um experimento ou uma descoberta isolada, é um campo que tem como base uma rede complexa de conhecimentos, interligando diversas áreas, teorias, modelos e conceitos. A perspectiva criacionista mais comum é a de que há lacunas fundamentais que supostamente colocariam em risco toda a teoria da evolução, e essa visão geralmente se baseia em informações tiradas de contexto ou críticas científicas ligadas a um conceito ou modelo em específico, não à biologia evolutiva como um todo.

Ao tentarem negar toda a biologia evolutiva, com todas as bases e todos os aspectos que a abrangem, os criacionistas não estão negando apenas a biologia evolutiva ou a teoria da evolução, e sim a construção do conhecimento científico em geral. A construção do conhecimento através de observações de diferentes campos, que levam a testes de hipóteses e à construção de modelos não é algo restrito à biologia evolutiva. Então, ao se rejeitar o conhecimento produzido pela teoria da evolução, por que não fazer o mesmo com qualquer outra teoria ou área da ciência, cujos conhecimentos são construídos com a mesma forma de pensar?

O que pode ser feito?

Podemos começar através da conscientização de que o argumento criacionista não é um desafio apenas à biologia. Ao questionar o conhecimento científico, o criacionismo gera uma fragilidade que abre portas para o tipo de negacionismos que observamos em larga escala atualmente. Também não devemos ignorar a existência do criacionismo ou evitar falar no assunto. O que devemos é ter clareza em quais âmbitos estamos falando. O criacionismo é uma perspectiva cultural, e não científica, e portanto deve ser tratado como tal. Por fim, devemos compreender os criacionismos como um tema de pesquisa. Estudar os criacionismos tem o potencial de auxiliar a entender a interação entre a atividade científica e a sociedade, bem como o ensino de ciências.

Fonte: Meyer & El-Hani (2013). “O que está em jogo no confronto entre criacionismo e evolução”. História e Filosofia da Biologia, 8: 211-222.