Por que perdemos a cauda?
Uma análise evolutiva da perda da cauda em humanos e macacos hominoides
Clique na imagem para aumentar ou salvar.
Versão em texto abaixo.
Curta, comente, compartilhe:
Versão em texto:
Por que perdemos a cauda
Uma análise evolutiva
A cauda é uma estrutura comum, encontrada em quase todos os vertebrados. Trata-se de um prolongamento da coluna vertebral após a cintura pélvica, que pode ter várias funções: um órgão de equilíbrio, estabilizando a locomoção, de comunicação (como um cachorro abanando o rabo), ou um espanta-moscas (como em vacas e cavalos). Uma das caudas mais notáveis é a cauda prênsil de alguns macacos, que atua como um quinto membro, permitindo agarrar-se a galhos ou segurar objetos, enquanto as mãos permanecem livres para outras tarefas. A evolução, entretanto, esta estraga-prazeres, privou nós humanos de tudo isso.
Perdemos o rabo, mas como e por quê? Comparando os genomas de diferentes espécies de macacos, cientistas encontraram uma diferença no gene TBXT dos grandes macacos sem cauda. Mutações no gene TBXT causam má formação ou ausência de cauda em outros animais, como gatos da raça Manx. Sendo heterozigotos, eles possuem uma cópia normal e uma mutante do gene, resultando na ausência de cauda.
O gene TBXT codifica uma proteína que controla outros genes durante o desenvolvimento embrionário. Versões diferentes dessa proteína podem afetar o desenvolvimento de maneiras distintas. Genes são formados por íntrons e éxons. Quando o DNA é transcrito em RNA, ambos são copiados, mas depois os íntrons são removidos. O RNA resultante, contendo apenas os éxons, é usado para produzir proteínas. Nos primatas com cauda, há uma sequência Alu dentro do íntron antes do éxon 6.
Sequência Alu é um pequeno pedaço de DNA que se repete muitas vezes no genoma de primatas. Nos macacos hominoides, além da sequência Alu antes do éxon 6, há outra depois, em posição invertida. Essas duas sequências Alu podem se unir e formar uma estrutura que prende o éxon 6. Isso faz com que em macacos hominoides, que não têm cauda, sejam produzidas duas versões de RNA, uma completa e outra sem o éxon 6. Já em macacos com cauda, é produzida apenas uma versão completa do RNA.
A relação entre a mutação que gerou a segunda sequência Alu no gene TBXT e a perda da cauda foi confirmada em camundongos modificados geneticamente. Camundongos que produzem apenas a versão completa do RNA desenvolvem cauda normalmente. Camundongos que produzem ambas as versões do RNA (completa e reduzida) nascem sem cauda ou com cauda menor. Camundongos que produzem apenas a versão reduzida do RNA, sem o éxon 6, não sobrevivem e morrem antes de nascer.
Isso sugere que a perda da cauda nos macacos hominoides ocorreu por causa de uma mutação que criou uma segunda sequência Alu dentro do gene TBXT. Essa mutação levou à produção de duas proteínas diferentes, afetando o desenvolvimento. A mutação ocorreu há cerca de 25 milhões de anos em um ancestral comum dos hominoides, e essa condição foi herdada pelos descendentes atuais: gibões, orangotangos, gorilas, chimpanzés e humanos.
Esse cenário é sustentado por fósseis como os de Proconsul, gênero de primatas africanos que viveram há cerca de 20 milhões de anos e não possuíam cauda. A perda da cauda pode ter ajudado na evolução do bipedalismo, mas também pode não ter tido nenhum significado adaptativo no início, sendo preservada por acaso em populações pequenas. A mutação resultou em uma perda "repentina" da cauda, que, ao ser transmitida, levou à ausência de cauda em toda a população e seus descendentes, como nós.
Para saber mais:
Para uma explicação mais detalhada dessa história, confira nosso blog À Luz da Evolução: Como perdemos o rabo
Fonte original: Xia et al. (2024). On the genetic basis of tail-loss evolution in humans and apes. Nature, 626: 1042-1048 https://doi.org/10.1038/s41586-024-07095-8